Os leitores provavelmente saberão da existência de uma Aliança Luso-Britânica, e seguramente também que é o mais antigo tratado diplomático do mundo ainda em vigor. Instituída arredor de 1373, foi assinada entre Eduardo III da Inglaterra e Fernando I e Leonor de Portugal; estabelecendo um acordo de “perpétua amizade, sindicato e aliança”.
Esta aliança percorre e define a história de ambas as nações, a geoestratégia atlântica, a história da India, da América e da África e a origem do poder e doutrina naval inglesa global por séculos. Tem sido invocada (por parte da Inglaterra) em numerosos momentos, alguns deles fundamentais: na colonização da India, nas Guerras napoleónicas, em ambas as Guerras Mundiais e por última vez durante o conflito Anglo-Argentino pela soberania das ilhas Malvinas.
A origem de tão singular e longeva aliança há que procurá-la no turbulento período do século XIV, especificamente nas décadas que compreendem a mudança de dinastias reinantes em Castela e Portugal (1369, 1383), complicadas pelas Guerras civis castelhanas e pela disputa por ambas as coroas por casas castelhanas e portuguesas. Disputas que envolveriam também Inglaterra, Aragão, Navarra e França; e que afetaram os equilíbrios e os interesses dos diferentes grupos de poder nas elites nobiliárias e comerciais e que iriam definir até hoje os caminhos separados e prevenção de Portugal e Castela.
Juan Naya(Naya Pérez 1959), citando as Crónicas de Fernão Lopes, parece dar por seguro que a Aliança é devida ao Corunhês Joam de Andeiro, mais conhecido em Portugal como Conde de Ourém, um dos dous grandes protagonistas (antagonistas) trágicos galegos na história, literatura e teatro clássico português.
Sem outorgarmos a responsabilidade completa do tratado ao Conde Andeiro, não parece possível negar a sua intervenção direita nesta complexa rede de Alianças que teceram os desterrados, defensores da legitimidade da causa Petrista em Portugal, França e Inglaterra. Quando menos esta parece ser, mesmo medindo pelo baixo, a conclusão de Peter E. Russell(Russell 1943), o maior especialista na questão:
En los distintos archivos ingleses de esta época, tanto en los públicos como en los privados, aparece repetidamente mencionado, y si como sucede muchas veces en esta clase de registros, sobre todo en los medioevales, nunca nos dicen nada o en alguna ocasión muy poco acerca de Andeiro en su vida privada, nos ayudan en cambio a comprender mucho mejor, lo que era entonces algo así como el período crítico de las relaciones anglo-portuguesas. Cuando Andeiro visita Inglaterra por primera vez, el año de 1371, los lazos de unión entre ambas naciones eran tan sólo los puramente comerciales; pero cuando finalmente abandona aquel país el año 1381, éstos se habían consolidado ya en tal forma que una estrecha alianza militar quedaba concluida, alianza en cuyo desarrollo es más que probable Andeiro hubiese jugado un papel muy importante.(Russell 1943, 360)
As peripécias do famoso Conde na guerra civil apoiando a causa de Pedro I, e a entrega da Corunha e da Galiza a Fernando de Portugal, as famosas moedas Fernandinas com a Torre de Hércules; a sua amizade com os filhos do monarca inglês e estadia na Inglaterra, o seu apoio na guerra contra França e intervenção em Portugal, quanto o seu projeto posterior de oferecer a coroa Portuguesa os castelhanos, estão em ainda à espera de uma biografia objetiva completa(García Gómez 2006).
Diplomata, cortesão, negociante na exportação e importação de vinhos, e antagonista dos Avis, a sua biografia normalmente fica reduzida, da visão da historiografia e da literatura portuguesa, aos seus amorios com a Rainha Regente dona Leonor e à morte “nas suas faldras” ocasionada pelos projetos do Conde de unificar os Reinos de Portugal e Castela sob uma única Coroa.
É, porém, interessante a constância e papel da Nobreza Galega neste projeto, digamos galego, de unificação de Portugal e Castela, nomeadamente antes da união dos Reinos de Castela e Aragão e logo depois sob os Filipes. Sem dúvida a Nobreza galega e os seus interesses sempre tiveram o olho nessa união atlântica, e pola contra pouco interesse na união e deslocamento de Castela cara o Mediterrâneo.
Podemos pensar que essa união teria permitido uma nova geoestratégia no Atlântico justo antes de se iniciar o ciclo das grandes navegações, da Colonização da América e comércio transatlântico com as Índias.
Neste ano cumpria-se o centenário da publicação em galego do poema épico-histórico(Martelo Paumán 1922) de Evaristo Martelo Paumán(Suárez Llanos 2013), um dos integrantes da Cova Céltica. Arredor da figura e feitos do famoso Conde, seria talvez interessante, ocupar-nos mais por extenso em vindouros artigos da sua figura e contexto histórico numa tripla perspetiva histórica galego portuguesa e castelhana, que envolve logicamente Inglaterra, França, Navarra e Aragão.
Bibliografia
BAPTISTA, António Rodrigues (1986) : “O “Andeiro” de Evaristo Martelo-Paumán, um poema da reintegração ibérica” in Actas I Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, Ourense, 20-24 setembro 1984 ; organizado pola Associaçom Galega da Língua. — [Galicia] : Associaçom Galega da Língua. — P. [749]-759
LOPES, FERNÃO : Chronica de el-rei D. Fernando. – Lisboa : Escriptorio, 1895-1896. – 3 v. – (Biblioteca de clássicos portugueses) . https://purl.pt/419
MARTELO PAUMÁN, Evaristo (1922): ANDEIRO : Poema histórico brigantino da unión ibérica (século XIV) .- Crunha : Imp. Zincke Hermanos.
NAYA PÉREZ, JUAN (1959): “La Alianza anglo-portuguesa débese a un coruñés, Juan Fernández de Andeiro, máxima figura del Portugal del siglo XIV” in Lar.- Buenos Aires.- N. 302 ; p. 23-24.
QUIÑONES GIRÁLDEZ, EMILIO (2007) : “Juan Fernández Andeiro : conde de Ouren : noble gallego del siglo XIV” in Estudios de genealogía, heráldica y nobiliaria de Galicia . – N. 6 ; p. 347-372
RUSSELL, Peter E. (1943): “Juan Fernández Andeiro en la corte de Juan de Lancáster : (1371-1381)” in Boletín de la Real Academia Gallega.- T. 23, n. 274-276 ; p. 359-375.
SUAREZ LLANOS, Laura (2013): “Vida e obra de Evaristo Martelo Paumán” in ADRA : Revista dos socios e socias do Museo do Pobo Galego, n. 8 .- Santiago de Compostela, p. 83-107.
Ernesto Vázques Souza (Crunha, 1970). Formado como filólogo, publicou algum trabalho sobre história, contexto político e cultural do livro galego das primeiras décadas do século XX |