Realizou-se no passado dia 2 de Setembro, na Feira do Livro de Lisboa, a apresentação do livro “Galiza, terra irmã de Portugal” apresentado na Praça da Fundação Francisco Manuel dos Santos pelo autor Ramón Villares em debate com José Carlos Vasconcelos, diretor do Jornal de Letras.
Nesta conversa foram abordados temas como a história da Galiza em diálogo com a história de Portugal, o presente momento histórico e as oportunidades que apresenta, a conjuntura política e o papel da língua nas relações galego-portuguesas.
Abrindo a conversa, José Carlos Vasconcelos falou desta relação de Portugal com a Galiza, na qual por vezes existe a ideia, que exemplificou com uma expressão de Carlos Casares, de que o amor entre a Galiza e Portugal é um amor largamente incompreendido, principalmente do lado português. Vasconcelos não partilha desta tese, sendo nortenho e meio-minhoto, como se definiu, por sentir que a norte essa realidade não tem substância, sendo que pessoalmente a sua visão ultrapassa até a tese de Villares, pois defende que na verdade estamos perante um só país.
Vasconcelos questionou o autor sobre o ângulo histórico da relação galego-portuguesa e pediu a perspetiva sobre o que existe de comum, o que também é por vezes exacerbado.
Ramón Villares referiu-se ao livro como estando escrito em português e editado por uma casa portuguesa, mas dando essencialmente uma perspectiva da história da Galiza. É um livro que nasce de muitos contactos com Portugal, a sua historiografia e por observação direta. O livro pretende refletir sobre as relações da Galiza com Portugal, Galiza mais que irmã de Portugal, sua mãe.
O Livro
Villares caracterizou o livro como breve, versando sobre as linhas gerais da história da Galiza, em diálogo com a historiografia portuguesa e procurando chamar a atenção sobre a necessidade de pensarmos conjuntamente relações que de tão antigas por vezes já não são relações, de tão esquecidas.
Foram abordadas as semelhanças e diferenças dos percursos históricos, de como se processou esta divisão entre grosso modo a Galiza Lucense baseada em Santiago de Compostela e a Bracarense. Como uma Galiza forte nos séculos XI e XII, com líderes como Diego Gelmirez se chegou a dividir? Aqui foi citado José Mattoso e a sua tese de que no caso de Portugal, antes de existir nação existiu uma administração instituída, o que não aconteceu a norte, tendo a Galiza ficado excêntrica às coroas de Castela e Portugal, com grande peso da igreja, numa aliança entre o clero e os pequenos proprietários, muito humanizada e rica artisticamente, mas sem poder político. Villares fala de Portugal como um reino criado por galegos contra galegos, referindo-se à influência dos galegos do norte na corte de D. Teresa.
Portugal como um referente para a Galiza surge, segundo Villares, já nos finais do séc. XIX e início do séc. XX. Antes já havia imigrantes e trabalhadores transfronteiriços. Por Portugal havia também a porta de saída para o Brasil, mas tratava-se de uma relação sem dimensão política. Portugal é visto com outros olhos quando aparece a semente do regionalismo galego, para o qual Portugal é visto como referente positivo num contexto em que existiam referentes negativos de exclusão, nos quais caía Castela, e positivos de reintegração ou espelho, onde se incluíam Portugal e Irlanda.
Uma guerra civil sanguinária abate-se também sobre a Galiza e só mais tarde, com a integração europeia Portugal volta a ser visto de forma diferente, com a abertura da possibilidade de políticas regionais e inter-regionais, a criação de infraestruturas e o acelerar de intercâmbios comerciais. Estes acontecimentos estão a mudar muitas das circunstâncias antigas de países separados e a eliminar muitos dos receios previamente existentes.
Sumarizando o livro, Villares acentua que a origem comum, com algumas diferenças evidentes, a paisagem e cultura também comuns(com a grande herança das cantigas galego-portuguesas) e a língua comum embora com evolução distinta, são grandes fatores de oportunidade para a aproximação entre a Galiza e Portugal. Villares nota que a Galiza é algo muito diferente de Castela, que entrar na Galiza não é entrar em Espanha ou em Portugal, e que há possibilidades de encontro entre Galiza e Portugal, sobretudo agora que temos possibilidade de pensar projectos conjuntos de dimensão ibérica e europeia. Não terminou sem referir que há problemas que são mais limitantes que estimulantes, como as normas ortográficas ou questão da língua, e que se as transformarmos em questão de gabinete estas serão um travão ao progresso do diálogo por o ritmo histórico, filológico e político serem diferentes. Torna-se, na visão do autor, necessário avançar com visão mais prática, mais realista.
A língua
José Carlos Vasconcelos volta à questão da língua, muito importante das relações galego-portuguesas, e questiona Ramón Villares sobre a situação atual neste ponto concreto. O autor avisa que não gosta muito das questões filológicas, mas que pode dizer algo sobre o assunto. Na sua visão, em muitos nacionalismos a língua é crucial, a língua tem importância política fundamental, mas na Galiza não foi o primeiro fator de identidade a ser explorado pelo nacionalismo, só tendo ganho ganho força depois da guerra civil. Com efeito, no nacionalismo galego primeiro surgiu o tema étnico com o celtismo, depois a paisagem, a religião e por fim a língua.
Segundo o autor, a questão das normas não parece ter solução fácil. Tentou ele próprio servir de ponto de encontro entre as várias sensibilidades, disse, mas sem sucesso. Na sua visão há muito ruído e poucas ideias. Pode-se admitir que o galego e o português são a mesma língua, tendo um padrão comum com algumas diferenças, mas admite que o seu livro possa ser traduzido em galego, o que não seria do acordo de alguns galegos.
Villares coloca a diferença da língua mais num patamar político, e menos linguístico, e admite que se o galego não se virar para o português acabará à porta do castelhano. Defendeu que o debate havido durante a constituição das autonomias, e no qual interveio o português Rodrigues Lapa não foi concluído, e não se mediu o alcance de escolher como norma culta entre uma língua de raiz popular e falada por muitos mas não escrita, e uma outra vinda de fora(o português) que não era falada nem escrita no território.
No presente, Ramón Villares defende que é sensato passar por cima da língua ou seja, fazer projectos comuns, abandonar um pouco o centralismo e essencialismo do velho nacionalismo e fazer vida conjunta. Segundo ele podemos fazê-la, podemos caminhar juntos e fazer projetos comuns. Podemos entender-nos nas nossas variantes e podemos mesmo chegar a pensar se no futuro chegamos a um ponto comum com a língua. Temos de caminhar e não ficar a discutir se a casa é quadrada ou redonda, com cada um dos defensores preso na sua posição. A forma da casa será o resultado do caminho comum.
O debate terminou com José Carlos Vasconcelos defendendo que a CPLP deveria ser na verdade a Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa, e que a presença nesta da Galiza faz mais sentido que a presença atual da Guiné Equatorial. Segundo o apresentador, portugueses e galegos somos essencialmente a mesma comunidade, e temos quase tudo em comum.