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Galego e com “muito orgulho”, Miguel sabe que, apesar de tudo, foi um emigrante bem diferente daqueles que ao longo dos séculos vieram desse recanto do noroeste de Espanha para Portugal e sobretudo para Lisboa. E a experiência que teve como presidente da Xuventude de Galicia, fundada em 1908 (“a instituição de origem espanhola mais antiga que existe em Lisboa”) fê-lo conhecer bem esse fenómeno migratório: “os galegos emigraram para Lisboa muito mais do que para Madrid. Aliás, a primeira vez que vieram com força foi a seguir ao terremoto de 1755 e tiveram um papel fortíssimo na reconstrução da cidade. Há documentos que mostram que a seguir ao terremoto havia 45 mil galegos em Lisboa. Trabalharam na reconstrução da cidade, no Aqueduto das Águas Livres e um pouco por todo lado. Depois, no século XIX, ficaram com o monopólio da água e em contrapartida tinham de fazer todo o serviço de ajuda aos incêndios. Era uma migração numerosa, mas foi focada sempre na zona sul da Galiza, graças a uma espécie de efeito chamada. Alguns vinham e iam chamando a gente da zona. Aliás, 80% dos galegos que vinham para Lisboa são todos dessa zona que fica até 30 quilómetros da raia. O resto da Galiza quase desconhece por completo a emigração para Portugal. No norte e no centro da região iam mais para as Américas e a partir do século XX para outros países europeus como a Suíça e a Alemanha”. Testemunho do dinamismo desses imigrantes é ainda hoje um dos grandes grupos económicos em Portugal ter o nome de um jovem galego que há mais de 200 anos veio para Lisboa e abriu uma pequena loja no Chiado: chamava-se Jerónimo Martins. Dessa época ficou a expressão “trabalhar que nem um galego”, que Miguel admite que “soa um bocadinho como ofensiva, mas a verdade é que se trabalhava muito e era gente que se esforçava muito. Era gente, de alguma maneira, que era muito honesta e que valia a pena contratar”.
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Idioma que esteve na origem do português, o galego é hoje uma língua co-oficial na Galiza, onde coexiste com o castelhano, vulgo espanhol. O presidente da CCILE diz que fala galego quando tem de ser, num contexto mais privado, mas que a sua língua materna é o castelhano. “Todos os galegos na Galiza percebem e falam algo de galego, podemos misturar com o castelhano, mas em princípio todos dominam. E nas novas gerações com mais certeza ainda, uma vez que foi introduzido no sistema educativo nos anos 80. Portanto, neste momento a região é completamente bilingue”, explica, acrescentando que noutros tempos, e muito em especial durante a ditadura franquista, o galego era visto como a língua das pessoas do campo e o castelhano a língua de cultura, algo que a democracia e sobretudo o sistema autonómico vieram mudar completamente.
Fonte: dn.pt, 20 Maio 2023
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